domingo, 27 de junho de 2010

Sofia



Semana passada, após o treino na academia, dei uma passada na banca de revistas e comprei uma publicação que ainda não conhecia, Ateliê na TV. A primeira matéria trazia modelos de bonecas de pano que achei bem simpáticos. Eu nunca sequer imaginei ser capaz de fazer bonecas, ainda que tenha tido meus momentos “Victor Valentim” na infância... A revista me chamara a atenção, no entanto, por outros motivos e técnicas. Em casa, mal agüentava a curiosidade de folhear, ler sobre cada execução (alguns me entenderão).

Mas aí começou um processo que passei a chamar de “comichão cerebral”. É como uma coceira, só que mental. Não posso evitar, às vezes me angustia, outras vezes é bom prá danar. E fiquei com a maior vontade de fazer a tal boneca de pano!

- Mas eu não sei fazer bonecas! Extensa pesquisa na internet.

- Mas eu não tenho todo o material necessário! Balela: pistola de cola quente, uns paninhos, linha e agulha? Quem não tem isso?

- E os cabelos, meu Deus? Como é que eu vou fazer com os cabelos da boneca? Besteira: mata dez minutos do horário do trabalho e desvia o caminho para passar naquele armarinho que tem coisas legais...

- E a dissertação do mestrado, como é que fica? (silêncio... e fé em Deus que meu orientador não leia este post...)

Todas as argumentações racionais vencidas, me entreguei ao comichão. Manhã de sexta, dia de jogo do Brasil e eu só queria saber de resolver o problema dos moldes para o corpo e membros da boneca. Como não trabalhei neste dia, boa parte da manhã foi dedicada a aumentar em 100% os desenhos da revista. Moldes prontos, Brasil jogando e eu desbravando um território completamente desconhecido.

Pernas e braços costurados e cortados, de tão compridos, me lembraram um livro maravilhoso da minha adolescência: Papai Pernilongo. Eu também, como a personagem do livro, estava meio órfã: a quem recorrer para esclarecer as dúvidas que o passo a passo da revista não resolvia? Enquanto isso, os meninos brincavam com os legos na sala e reclamavam minha atenção e presença. Prá que fazer boneca, se já sou adulta? E por que fazer uma boneca “tãããão esquisita”? Ah, minha auto-estima... Recebo, como vêem, muito reforço positivo...

Corpo cheio e membros costurados, minha obra virou imediatamente a “boneca zumbi” e o mais novo se põe a correr pela casa assustando o mais velho, que ri e grita simulando pavor. “É um E.T.!!!!”, gargalham os dois. Eu morro de rir e reconheço que o prognóstico não é mesmo muito bom: cabeça triangular demais, membros finos e compridos demais, pescoço mole demais... Parece mesmo uma boneca-zumbi-fantasma-extraterrestre.

Resolvo superar a pseudo-derrota e terminar minha empreitada, ainda que seja a última. O vestido vai melhorar tudo, penso tentando me animar. Nem imaginava que seria tão difícil combinar cores e estampas. Calçola, saiotes, vestido, golinha e asinha depois, visto a boneca, que realmente agora parece uma boneca-zumbi-fantasma-extraterrestre camponesa! “Cadê a cara dela?” “Ela é careca assim mesmo?”, são os motes dos desafios que eu subestimara até aquele momento.

Como não consegui comprar a lã indicada pro cabelo, comprei um outro material, que esqueci o nome, para fazer às vezes de cabelo. “Esse é o cabelo mais horroroso que já vi!” debocha o mais velho. Pintados os olhos, sobre o olhar atento do mais novo, resolvo me concentrar na pintura dos sapatos, que têm um formato meio de botinhas de bruxa. As cores de tinta que tinha em casa realmente não ajudaram, mas a crítica feroz foi implacável: “Mãe, esse sapato é de cocô???”

A crise parecia gerenciável, até que o mais novo deu o tiro de misericórdia: “Mãe, ela tá chorando!” E eu quase choro ao ver os dois olhinhos, que tanto trabalho me deram, borrados como se o rímel tivesse escorrido pelo rosto. Ele acha graça e mostra os dedinhos sujos de tinta. Desastre completo. Briga, castigo e muito choro do pequeno depois, resolvo não me dar por vencida. Tinta branca cobriu as manchas e a boneca fica parecendo uma eterna surfista, com manchas brancas de protetor solar sob os olhos... Sapatos cor de cocô com falso amarrado em dourado e meinhas de bico inglês, lacinhos amarelos no cabelo e um pouquinho de blush, para dar um ar saudável. Pronto, terminei minha primeira boneca com um gostinho amargo na boca... Eu realmente não sei fazer bonecas.

Sábado de manhã, lá vem o pequeno com a boneca debaixo do braço. Da máquina, observo enquanto eles conversam sobre ela e provoco: “Ela precisa de um nome, meninos!” “O nome dela é Sofia!”, batiza o mais novo, do alto da segurança de ser o autor dos atentados contra a integridade da pobre boneca.

Olho prá ele espantada e aceito a realidade: é um nome realmente apropriado. Sofia. Saber. A síntese daquele processo criativo, os desafios superados, a criatividade em ação, o prazer de realizar uma coisa nova. Você pode extrapolar o meu banal e doméstico microcosmo e testar esta metáfora em qualquer momento em que se sentiu desafiado, estimulado: no final, era sempre sobre aprender/saber algo.

Não preciso nem dizer que Sofia foi adotada e ficará morando em casa, “irmã” dos meninos. O pequeno levou Sofia ao aniversário da prima, dentro do carro botou cinto de segurança para ela “não se machucar” e quase pulam juntos na piscina.

Eu? Depois da escolha de Sofia como tema deste post, já resolvi que após analisar todas as críticas e usando tudo que já sei vou fazer outras bonecas. E me pego contando vantagem na festa de aniversário onde toca “Emília, Emília, Emília”: foi a primeira boneca que fiz, não ficou bom para uma primeira vez??

3 comentários:

Rita Vania disse...

Linda como a Dona...

Gislene Ellery disse...

Me apaixonei por Sofia! Ela é encantadora!

Karla Daniella disse...

Essa duplinha que vc tem em casa...kkkkkk....já ri pra caramba! E a boneca ficou bonita sim...eles é que gostam de zoar da mãe!


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