sábado, 19 de junho de 2010

A mulher mais realizada da face da Terra



Hoje de manhãzinha nasceu meu sobrinho mais novinho, o Dudu. Minha cunhada tornou-se, imediatamente, a mulher mais realizada da face da Terra. Eu olhava prá ela e ficava lembrando daquela sensação, que já vivi duas vezes. Perto de nós, meu bordado sobre o fundo do mar, faltando apenas a última estrela e as bolhinhas. Hospitais e bordados estão virando uma dupla, ao que parece.
Enquanto ela contrariava todas as recomendações médicas e falava sem parar, aturdida com a novidade de ser mãe e ansiosa pela chegada do Dudu no apartamento, eu puxei o bordado e comecei a estrela, preechendo-a com uma linha matizada vermelha, do centro para as bordas. Escolhi para a parte externa um ponto chamado “nó dinamarquês”, em vermelho cereja, para dar aquela textura meio “cascarenta” da estrela do mar.
Quando o Dudu chegou e nós admirávamos suas primeiras tentativas de mamar me ocorreu que aquele bordado, coincidentemente, tinha tudo a ver com o momento. Dudu deixara a água e lutava para se adaptar a este mundo novo, com a necessidade de respirar, descobrindo a capacidade de chorar e buscando, com sofreguidão, o seio que se oferecia. Era quase um peixinho que mudara de estatuto, deixando de ser hipótese e sonho, tornando-se real para minha cunhada e seu marido.
Ela também estava mudando de estatuto, enquanto o mar que carregou dentro de si por nove meses foi esvaziado. Deixava de ser filha, tia, professora, cunhada, amiga, fisioterapeuta e, durante um tempo que ninguém consegue precisar, será apenas mãe do Dudu. Ou “mãezinha”, como insistem em chamar as enfermeiras e auxiliares, o que me embrulha o estômago até hoje...
Quem se preocupa com a devassidão do corpo de uma mãe que amamenta? Um corpo que é vasculhado, perscrutado, mexido, estimulado para a produção de leite, um corpo que antes era apenas oceano passa a ser olhado como um grande e potencialmente nutritivo celeiro, capaz de amamentar o pequeno Dudu e, com sorte, ajudar outras crianças para quem o leite materno faltou...
“Tá saindo o colostro? Ele tá conseguindo?” ela perguntava.
Ah, a ansiedade das mães... não é uma circunstância, como pensam os céticos, é uma condição, parte indissociável deste novo estatuto. Tá incluído no pacote, eu concluía, fazendo os nós que alguma mãe bordadeira dinamarquesa inventou quase que por acaso. Num momento “mergulhe no seu próprio mar de emoções”, fiquei remexendo no meu baú de reminiscências e a primeira infância dos meninos passou diante dos meus olhos em mini flash backs, um pontinho de cada vez: a chegada em casa, os primeiros dias, os medos, as pequenas descobertas, os sorrisinhos, as primeiras palavras, o primeiro dia da escola, as velas sopradas e os brinquedos e as pessoas que foram ficando pelo caminho.
Meus dois bordados estão em andamento. São coloridos, multifacetados, matizados, felizes. A trama do Dudu começa a ser tecida hoje, um pontinho de cada vez.

Um comentário:

Unknown disse...

Sí, vc não sabe como me emociono quando leio Vc conseguiu retratar o que eu estava sentindo com estas palavras tão sensíveis e fiéis que só entende quem tem esse prazer de ser mãe e olhar pra estas bênçãos que Deus nos deu. Peço sempre Ele e agradeço pela pessoa única e tão importante que sempre fez a diferença em minha vida, e como não podia deixar de estar neste momento inesquecível, de uma emoção inexplicável. Seu talento no bordado reflete o seu carinho e sensibilidade pela vida, e me sinto muito feliz em tê-la como cunhada, fazendo parte da minha vida, da vida do Hilismar, do Sandro, e agora do Dudu.
Bjim...


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