domingo, 27 de junho de 2010

Sofia



Semana passada, após o treino na academia, dei uma passada na banca de revistas e comprei uma publicação que ainda não conhecia, Ateliê na TV. A primeira matéria trazia modelos de bonecas de pano que achei bem simpáticos. Eu nunca sequer imaginei ser capaz de fazer bonecas, ainda que tenha tido meus momentos “Victor Valentim” na infância... A revista me chamara a atenção, no entanto, por outros motivos e técnicas. Em casa, mal agüentava a curiosidade de folhear, ler sobre cada execução (alguns me entenderão).

Mas aí começou um processo que passei a chamar de “comichão cerebral”. É como uma coceira, só que mental. Não posso evitar, às vezes me angustia, outras vezes é bom prá danar. E fiquei com a maior vontade de fazer a tal boneca de pano!

- Mas eu não sei fazer bonecas! Extensa pesquisa na internet.

- Mas eu não tenho todo o material necessário! Balela: pistola de cola quente, uns paninhos, linha e agulha? Quem não tem isso?

- E os cabelos, meu Deus? Como é que eu vou fazer com os cabelos da boneca? Besteira: mata dez minutos do horário do trabalho e desvia o caminho para passar naquele armarinho que tem coisas legais...

- E a dissertação do mestrado, como é que fica? (silêncio... e fé em Deus que meu orientador não leia este post...)

Todas as argumentações racionais vencidas, me entreguei ao comichão. Manhã de sexta, dia de jogo do Brasil e eu só queria saber de resolver o problema dos moldes para o corpo e membros da boneca. Como não trabalhei neste dia, boa parte da manhã foi dedicada a aumentar em 100% os desenhos da revista. Moldes prontos, Brasil jogando e eu desbravando um território completamente desconhecido.

Pernas e braços costurados e cortados, de tão compridos, me lembraram um livro maravilhoso da minha adolescência: Papai Pernilongo. Eu também, como a personagem do livro, estava meio órfã: a quem recorrer para esclarecer as dúvidas que o passo a passo da revista não resolvia? Enquanto isso, os meninos brincavam com os legos na sala e reclamavam minha atenção e presença. Prá que fazer boneca, se já sou adulta? E por que fazer uma boneca “tãããão esquisita”? Ah, minha auto-estima... Recebo, como vêem, muito reforço positivo...

Corpo cheio e membros costurados, minha obra virou imediatamente a “boneca zumbi” e o mais novo se põe a correr pela casa assustando o mais velho, que ri e grita simulando pavor. “É um E.T.!!!!”, gargalham os dois. Eu morro de rir e reconheço que o prognóstico não é mesmo muito bom: cabeça triangular demais, membros finos e compridos demais, pescoço mole demais... Parece mesmo uma boneca-zumbi-fantasma-extraterrestre.

Resolvo superar a pseudo-derrota e terminar minha empreitada, ainda que seja a última. O vestido vai melhorar tudo, penso tentando me animar. Nem imaginava que seria tão difícil combinar cores e estampas. Calçola, saiotes, vestido, golinha e asinha depois, visto a boneca, que realmente agora parece uma boneca-zumbi-fantasma-extraterrestre camponesa! “Cadê a cara dela?” “Ela é careca assim mesmo?”, são os motes dos desafios que eu subestimara até aquele momento.

Como não consegui comprar a lã indicada pro cabelo, comprei um outro material, que esqueci o nome, para fazer às vezes de cabelo. “Esse é o cabelo mais horroroso que já vi!” debocha o mais velho. Pintados os olhos, sobre o olhar atento do mais novo, resolvo me concentrar na pintura dos sapatos, que têm um formato meio de botinhas de bruxa. As cores de tinta que tinha em casa realmente não ajudaram, mas a crítica feroz foi implacável: “Mãe, esse sapato é de cocô???”

A crise parecia gerenciável, até que o mais novo deu o tiro de misericórdia: “Mãe, ela tá chorando!” E eu quase choro ao ver os dois olhinhos, que tanto trabalho me deram, borrados como se o rímel tivesse escorrido pelo rosto. Ele acha graça e mostra os dedinhos sujos de tinta. Desastre completo. Briga, castigo e muito choro do pequeno depois, resolvo não me dar por vencida. Tinta branca cobriu as manchas e a boneca fica parecendo uma eterna surfista, com manchas brancas de protetor solar sob os olhos... Sapatos cor de cocô com falso amarrado em dourado e meinhas de bico inglês, lacinhos amarelos no cabelo e um pouquinho de blush, para dar um ar saudável. Pronto, terminei minha primeira boneca com um gostinho amargo na boca... Eu realmente não sei fazer bonecas.

Sábado de manhã, lá vem o pequeno com a boneca debaixo do braço. Da máquina, observo enquanto eles conversam sobre ela e provoco: “Ela precisa de um nome, meninos!” “O nome dela é Sofia!”, batiza o mais novo, do alto da segurança de ser o autor dos atentados contra a integridade da pobre boneca.

Olho prá ele espantada e aceito a realidade: é um nome realmente apropriado. Sofia. Saber. A síntese daquele processo criativo, os desafios superados, a criatividade em ação, o prazer de realizar uma coisa nova. Você pode extrapolar o meu banal e doméstico microcosmo e testar esta metáfora em qualquer momento em que se sentiu desafiado, estimulado: no final, era sempre sobre aprender/saber algo.

Não preciso nem dizer que Sofia foi adotada e ficará morando em casa, “irmã” dos meninos. O pequeno levou Sofia ao aniversário da prima, dentro do carro botou cinto de segurança para ela “não se machucar” e quase pulam juntos na piscina.

Eu? Depois da escolha de Sofia como tema deste post, já resolvi que após analisar todas as críticas e usando tudo que já sei vou fazer outras bonecas. E me pego contando vantagem na festa de aniversário onde toca “Emília, Emília, Emília”: foi a primeira boneca que fiz, não ficou bom para uma primeira vez??

sábado, 19 de junho de 2010

Qualquer motivo

Olá, quem estiver lendo

Despachei as crianças para um aniversário e, excepcionalmente, tive alguns minutos de total e completo silêncio. Corri pro computador para terminar o post sobre o nascimento do Dudu e acabei encontrando o blog da Valquiria que li de cabo a rabo e amei: http://qualquermotivo.blog.uol.com.br

A partir dele, entrei em vários outros blogs sugeridos e fiquei, mais uma vez, embasbacada com as maravilhas que se pode fazer com linhas e agulhas. A valquiria relacionou alguns sites em inglês que considerei obras primas:

http://www.victorian-embroidery-and-crafts.com/embroidery-stitches.html

http://www.trishburr.co.za/

Por último, adorei a definição sobre o ponto matiz, que eu adoro: pintura com linhas.

Ótimo fim de semana a todos. Amanhã, começa mais um capítulo da "saga das capas de garrafão".

A mulher mais realizada da face da Terra



Hoje de manhãzinha nasceu meu sobrinho mais novinho, o Dudu. Minha cunhada tornou-se, imediatamente, a mulher mais realizada da face da Terra. Eu olhava prá ela e ficava lembrando daquela sensação, que já vivi duas vezes. Perto de nós, meu bordado sobre o fundo do mar, faltando apenas a última estrela e as bolhinhas. Hospitais e bordados estão virando uma dupla, ao que parece.
Enquanto ela contrariava todas as recomendações médicas e falava sem parar, aturdida com a novidade de ser mãe e ansiosa pela chegada do Dudu no apartamento, eu puxei o bordado e comecei a estrela, preechendo-a com uma linha matizada vermelha, do centro para as bordas. Escolhi para a parte externa um ponto chamado “nó dinamarquês”, em vermelho cereja, para dar aquela textura meio “cascarenta” da estrela do mar.
Quando o Dudu chegou e nós admirávamos suas primeiras tentativas de mamar me ocorreu que aquele bordado, coincidentemente, tinha tudo a ver com o momento. Dudu deixara a água e lutava para se adaptar a este mundo novo, com a necessidade de respirar, descobrindo a capacidade de chorar e buscando, com sofreguidão, o seio que se oferecia. Era quase um peixinho que mudara de estatuto, deixando de ser hipótese e sonho, tornando-se real para minha cunhada e seu marido.
Ela também estava mudando de estatuto, enquanto o mar que carregou dentro de si por nove meses foi esvaziado. Deixava de ser filha, tia, professora, cunhada, amiga, fisioterapeuta e, durante um tempo que ninguém consegue precisar, será apenas mãe do Dudu. Ou “mãezinha”, como insistem em chamar as enfermeiras e auxiliares, o que me embrulha o estômago até hoje...
Quem se preocupa com a devassidão do corpo de uma mãe que amamenta? Um corpo que é vasculhado, perscrutado, mexido, estimulado para a produção de leite, um corpo que antes era apenas oceano passa a ser olhado como um grande e potencialmente nutritivo celeiro, capaz de amamentar o pequeno Dudu e, com sorte, ajudar outras crianças para quem o leite materno faltou...
“Tá saindo o colostro? Ele tá conseguindo?” ela perguntava.
Ah, a ansiedade das mães... não é uma circunstância, como pensam os céticos, é uma condição, parte indissociável deste novo estatuto. Tá incluído no pacote, eu concluía, fazendo os nós que alguma mãe bordadeira dinamarquesa inventou quase que por acaso. Num momento “mergulhe no seu próprio mar de emoções”, fiquei remexendo no meu baú de reminiscências e a primeira infância dos meninos passou diante dos meus olhos em mini flash backs, um pontinho de cada vez: a chegada em casa, os primeiros dias, os medos, as pequenas descobertas, os sorrisinhos, as primeiras palavras, o primeiro dia da escola, as velas sopradas e os brinquedos e as pessoas que foram ficando pelo caminho.
Meus dois bordados estão em andamento. São coloridos, multifacetados, matizados, felizes. A trama do Dudu começa a ser tecida hoje, um pontinho de cada vez.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Um capote, um aniversário e um “eu amo vocês”...


Pedi ao meu irmão que desse uma olhada nos meus posts e o comentário alentador foi: “capa de garrafão é muito cafona...”. Hehehehehe Claro que é cafona, baby! Não pela capa em si. Acho que o garrafão de água, em tempos de sustentabilidade e preocupação sobre o custo (e o futuro) da água é extremamente cafona.

Mas antes que eu enverede discursando sobre este tema (que está absolutamente imbricado com o tema da minha dissertação de mestrado...) preciso atualizá-los sobre o andamento da série “capas cafonas para garrafões de água”. Já tinha postado sobre a minha capa, com as flores de cerejeira, e mencionado os girassóis da Jô, que concluí o bordado, faltando apenas a costura. Comecei a bordar o “fundo do mar” para a minha irmã, que tem um aquário marinho lindíssimo (olha a responsabilidade....), vejam as fotos acima. Mas o que tem me intrigado mesmo é a tal galinha d´Angola, ou capote, como chamamos aqui no Ceará.

Pesquisei várias imagens no google enquanto inquiria a minha amiga Nathália sobre seu gosto por um pássaro tão diferente. Sim, nós eventualmente comemos capote e sabemos que sua carne é um tanto “reimosa” (vou ter que criar depois um glossário de termos nordestinos...), tem uma consistência mais dura e mais escura que a carne de galinha comum.

Realmente, é um bicho intrigante. Não está, segundo Nathália, disposto a morrer com uma breve torção de pescoço, como os frangos, que são molengas e mais esperneiam e fazem barulho que correm. É tão ágil que precisa ser abatido a tiros, como uma caça mais nobre. Para completar, tem origem africana e seu comportamento é arisco, vive em bandos organizados e podem servir como guardas, pondo-se a alertar sobre a presença de estranhos. O comportamento selvagem faz com que estas aves escondam seus ninhos ou não choquem os ovos, levando quem as cria a colocar os ovos para serem chocados por galinhas (muito mais prestativas e dóceis, pelo visto...). Por fim, a plumagem de petit pois brancos sobre um fundo chumbo, quase preto, é um clássico, digno de Chanel, e nunca sai de moda.

Findo este momento “wikipedia”, os bichos escolhidos pela a minha amiga fazem minha flor de cerejeira padecer no ostracismo da obviedade... Só uma pessoa com um pensamento nada medíocre poderia escolher um bicho assim, fiquei refletindo.

Ontem, comemorando o aniversário dela, o assunto do capote veio à tona e causou surpresa nas demais. “É aquele pássaro que canta “tô fraco, tô fraco, tô fraco”?”, quis saber uma. “Eu nunca comi capote”, ressentiu-se a outra. Explicações dadas, rimos muito enquanto saboreávamos a sobremesa regada a uma resolução que só a balzaquice proporciona: como um bando de galinhas d´angola, reforçamos nossos laços de amizade com uma declaração de amor inesperada e a decisão de continuarmos a resistir e não sermos abatidas como frangos resmungões. Somos duras, reimosas e selvagens e o tal do “tô fraco” a gente só canta durante as TPMs...

Ah, antes que me perguntem, a capa de garrafão dos capotes só vou entregar no dia do amigo.

Reflexões do Feriado





Depois de algumas noites sem dormir que potencializaram os efeitos da TPM sobre mim (Rafa e Gui doentes), ontem morguei durante o feriado de Corpus Christie. Sim, havia toneladas de coisas para estudar e ler, mas a cabeça latejava como nunca e a disposição era inversamente proporcional à dor e ao mau humor...

Nesses momentos, gostaria de ter uma casca bem grossa que pudesse me esconder. Não sou canceriana à toa... E não é à toa que o caranguejo representa meu signo. A casca/casa do caranguejo é sua proteção e seu fardo. Eu ontem queria ter, além da minha casa, uma casca bem dura e ficar dentro dela esperando este período passar...

O bordado com os girassóis da Jô fez o papel da casca imaginária. Me acomodei com linhas e tesoura na varanda, após o café, e comecei a dar forma às flores e folhas. Confesso que não gosto muito de girassóis – são flores interessantes, mas algo óbvias e chamativas demais – mas ontem o amarelo das pétalas me pareceu tão animador... À minha volta, os meninos brincavam e brigavam com os legos. Paramos só para almoçar.

À tarde, estava com uma vontade danada de ter meu momento “bolo com café”, mas a cabeça continuava apertada, pesada. Como dizemos por aqui, eu estava “para correr”! E foi o que fiz. Resolvi que poderia ser interessante fazer a passagem ao ato: calcei os tênis e fui correr no parque, no final da tarde. (Tks God pelo meu ascendente, que me impulsiona para fora de todas as cascas...).

De algum modo, o bem estar da corrida/caminhada e o aumento do fluxo sanguíneo fizeram bem para mim e, na volta, consegui fazer o bolo de maçãs com amêndoas que copiei do La Cucinetta (http://www.lacucinetta.com.br/). Eu adoro este bolo. Ele é aromático, reúne a combinação mais perfeita já criada (maçã e canela) e ainda tem o crocante das amêndoas... Não é muito doce e deve ser comido ainda quente, com uma boa xícara de café ou chá. Como é pequeno, não sobra para ficar velho, o que também é bom... Nada como um pedaço reconfortante de bolo com café, num final de tarde, para lembrar que as TPMs são transitórias e que a vida é mais.

Por sinal, já que falei no La Cucinetta, preciso dizer o quanto gosto deste blog e como fico esperando pelos posts da Ana. É um blog que fala mais do que sobre comida, fala sobre um jeito de viver que tento adotar para mim, no meu caso por meio dos trabalhos manuais. Dei de cara com ele por acaso, procurando uma receita de, adivinham!?, torta de maçã! Comecei a ler o post que trazia a receita de bolo que comentei e não consegui mais parar. Acho que já li o blog todo e sempre passo para ver as novidades. Já fiz algumas receitas, todas maravilhosas. A Ana, como eu, tem procurado o caminho do meio, o que nos permite, inclusive, apreciar o prazer de um bom pedaço de bolo, antes proibido para mim por causa da minha saga ortomolecular...

Hoje, deixei de querer ser apenas magra: quero ser saudável, o que inclui pequenos poderes (prazeres) ocasionais para fazer bem à cabeça e ao coração...

Capas para Garrafão: A Série




Depois de comprar metros e metros da Java de vagonite (branca e bege) e de ver uma linda capa minha manchada de vermelho (obrigada, Antonia...), resolvi fazer novas capas e, além de utilizar, presentear minhas amigas que usam garrafão. Queria também bordar um pedaço de um galho de cerejeira que vi numa revista e me pareceu extremamente desafiador. A idéia é usar vagonite de preenchimento e pontos livres no contorno e nos detalhes.

Depois de testar o corte e a costura com a capa “boudoir”, cortei novamente o tecido branco, por que achei que as cores se sobressairiam melhor. Fiz todo o preenchimento das flores, em seguida os contornos usando ponto haste, ponto atrás e ainda tentei o ponto palestrina, mas demorava demais e acabei perdendo a paciência. Os pistilos das flores foram feitos em ponto rococó. A borboleta azul foi executada em ponto atrás e ponto caseado, com um dos tons de azul mais bonitos com que já bordei (anchor, 433).

A seqüência de projetos é a seguinte: no momento, os girassóis da Jô. Já riscados, os peixes da minha irmã e, por fim, os capotes (galinhas d´angola) da Nathália, que ainda vou pesquisar. Não me recordo de ter qualquer risco destes pássaros, mas esta é a vantagem da técnica que estou utilizando. O risco pode vir mesmo de uma foto, sem a necessidade de uma receita específica, como no caso do ponto cruz.

Os fracassos ocasionais

Queridos, apesar da minha mãe ter abraçado o projeto fronha vagonite (tendo inclusive carregado com ela para sua cidade, para terminar a segunda), este anda meio parado. No sábado, tentei comprar um percal no mesmo tom, para confeccionar a fronha e aplicar o bordado, mas não consegui encontrar o tom certo e acabei comprando um bege muito claro, que não ficará legal... Além disso, me arrependi de não ter feito o projeto no tecido branco, que teria ficado mais interessante.

Acho difícil encontrar um tecido 100% algodão na mesma cor do tecido de vagonite que é quase um café com leite. Acho que vou procurar uma listinha, para a parte de trás das fronhas. Fiquei com uma sensação de fracasso e acho que isso se deve à falta de planejamento inicial. Tenho a terrível mania de me empolgar com os projetos e começar a trabalhar antes de ter todos os materiais definidos e/ou comprados. Isso, às vezes, me leva a deixar projetos inacabados ou, como neste caso, é necessário despender uma energia imensa para “consertá-los”...

Ontem de madrugada terminei o vagonite – sim, acho que estou vivendo intensamente este momento vagonite que parece que não vai passar nunca... – de uma capa para garrafão que considerei um fracasso com relação à escolha das cores. Apesar de serem bonitas – prata, cinza, rosa, vinho e preto – e até combinarem bem entre si, não gostei muito do resultado final, achei meio careta... Não ficou com a cara “boudoir” que eu imaginei... Agora, vou terminar a costura e guardá-la. Para meu uso, estou pensando em bordar – com vagonite e pontos livres – um lindo galho de cerejeira com borboletas. É enorme e temo pelo tempo para sua conclusão, já que ainda tenho pendente a colcha bege... De vez em quando vou lá e coloco uns pontinhos, mas nada de me dedicar seriamente à sua conclusão.

Ontem eu fazia uma reflexão sobre a urgência que às vezes impomos às coisas, mas que justificamos como se fosse uma urgência das coisas sobre nós. Estava com uma importante atividade para terminar no meu trabalho e nada de conseguir me concentrar para concluí-la. Sempre surgiam novas prioridades ou, ao tentar começar, logo desanimava diante da quantidade de coisas... Os prazos estavam correndo e comecei a me angustiar, mas sem conseguir converter essa angústia em ação. Um belo dia, de uma tacada só, praticamente concluí a tarefa.
Era aquele o momento, não antes. Muitas vezes, não respeitamos o tempo das coisas e julgamos que podemos controlar todos os aspectos da nossa vida. Aí as coisas dão errado e as frustrações vão solapando nossa resiliência, nossa criatividade.

Somos educados de modo a acreditar que, se quisermos, temos todos os cordéis da nossa vida - e das vidas daqueles que se relacionam com a gente - nas mãos. Até mesmo o tempo parece controlável. Antes que os adeptos do método e da sistematização comecem a protestar, eu não estou defendendo a inexistência de horários ou prazos. Apenas questiono, cada dia mais, a nossa servidão em relação a urgências. O nosso tempo parece mais curto em relação ao passado por que nos impomos montanhas de tarefas desimportantes, conferimos-lhes urgências exacerbadas e nos sentimos mal de termos tempo para... nada! Tempo para pensar, para criar, para desanuviar a mente, para sentir ou fazer aquela atividade que não está diretamente ligada à sua formação ou à sua profissão.

Comecei a me questionar sobre a necessidade de ostentar níveis impossíveis de produtividade quando isto começou a prejudicar minha saúde e me vi tomando calmantes para suportar a rotina estafante. Minha experiência é comum à maioria das pessoas, não é novidade ou um grande drama. Mas até este tipo de constatação é preocupante. Levei um tempo para aceitar que havia um adoecimento com o qual eu não sabia/podia lidar e que era inadmissível “morrer” por algo que deveria ser fonte de satisfação, crescimento, amadurecimento...

Não vou ficar fazendo apologia dos trabalhos manuais por que este é o meu caminho e não “o” caminho. Cada um acha o seu, se puder e tiver discernimento. Para mim, fazer algo com as mãos – por prazer, com diversão – é algo que me energiza, me afasta do modelo padrão esperado para as pessoas da minha formação e me dá um “gostinho de transgressão”... Surpreender alguém num mundo tão homogêneo e massificado é sempre um luxo.

Recuperar-se


Numa terça-feira passada, minha mãe fez uma delicada cirurgia no pescoço, para a retirada de um tumor. Era um momento tenso para ela e para todos nós, obviamente. Na manhã da entrada no hospital, a primeira coisa que coloquei na minha bolsa foi uma sacolinha com o projeto que estava em andamento: a fronha bege, com vagonite matizado. Antes, eu havia desistido, por influência dela, de fazer a fronha toda no tecido de vagonite, muito áspero para este fim. Cortei a parte onde seria feito o bordado para, depois, aplicá-lo num tecido mais suave.

As cores vibrantes que escolhi (pink, azul e laranja) deram mais vida ao insosso tecido bege, mas confesso que fiquei pensando que deveria ter comprado o tecido branco...

No hospital, enquanto aguardávamos o momento da cirurgia, cada um lidava com o stress ao seu modo. Eu sentei no chão e puxei o bordado. Enquanto esperávamos o fim da cirurgia e meu pai entrava e saía do quarto, continuei sentada tentando me apaziguar e lidar com a angústia. Ter algo nas mãos, conduzir a linha e a agulha pelo tecido tem um certo efeito hipnótico que me impede de - dramática como sou - iniciar uma cena de novela mexicana.

Foi assim que os médicos me encontraram, quando vieram dar o resultado do procedimento. Mais tarde, quando ela voltou pro quarto e nós fomos pra casa, ainda encontrei força para mais alguns pontinhos.

Na manhã seguinte, apesar dos apelos do meu pai para que eu não desse “agulha” para ela após a cirurgia – na ótica dele não é bom para a recuperação (?) – ela pediu que eu deixasse o bordado, para ter como se ocupar até o momento da alta. E o bordado está quase pronto, pelas mãos da minha mãe que ainda se arvorou em dizer que eu fazia um péssimo acabamento e que tinha consertado várias carreiras de pontos! Sorri e apenas disse que ainda estava aprendendo.

De fato, minha história com o bordado talvez tenha começado com ela. Apesar de sempre tê-la visto sair para trabalhar, na calçada de nossa casa no interior, à tardinha, ela invariavelmente tem um trabalho na mão. Nos aproximamos no gosto por descobrir técnicas novas e por trabalhos rápidos de fazer. Agora, num momento tão tenso, pudemos compartilhar um trabalho que, quando pronto, será uma recordação desta superação.

De fato, ainda estou aprendendo... Inúmeras coisas, até mesmo a contar isto para você. Talvez não seja tão simples exprimir com palavras para quem nunca bordou ou fez qualquer trabalho manual, a emoção de compartilhar um projeto com uma mãe que volta a sorrir e, passada a tensão, parece que remoçou algumas décadas... Neste momento, enquanto ela se recupera e borda, eu escrevo e me recupero.

A psicologia dos trabalhos manuais

“As atividades manuais, principalmente as que utilizam fios (tricô, crochê e tecelagem), possuem imenso valor na terapia biográfica, pois a pessoa participa da própria criação, de cada etapa do processo: começo, meio e fim. Ela visualiza o produto terminado e isso fortalece a vontade, a coordenação psicomotora, além de organizar emoções, ficando assim mais centrada. O gesto de costurar, bordar, tecer, de estar fazendo um trabalho manual nos chama a atenção, pois ele sempre reúne as nossas mãos diante do coração (o órgão do afeto), para que então as agulhas e linhas gravem nos tecidos, os nossos sentimentos, os nossos pensamentos, o que realmente somos.”

Autor: http://pt.shvoong.com/humanities/1677081-import%C3%A2ncia-dos-trabalhos-manuais-na/

Eu estava pesquisando na internet sobre esta relação tão antiga – psicologia e trabalhos manuais – e me deparei com este texto. Ele consegue sintetizar bem o objetivo do blog, vocês não acham? Gostei especialmente da metáfora das mãos diante do coração.
Muitas vezes o bordado serviu como momento para acalmar corpo e mente. Hoje em dia, tenho procurado bordar com um sentido mais profundo, em busca de autoconhecimento sobre minhas habilidades.

Acho que isto pode causar espécie para as pessoas que não possuem familiaridade com linhas e agulhas: não seria este um exemplo de elevação forçada dos benefícios de uma atividade, um exagero de quem borda de modo a tornar mais nobre seu hobbie? Não sei responder a esta pergunta por que não estou isenta. Ao contrário.

Apenas posso falar que um projeto, não importa sua relevância ou utilidade, tem o poder de me afastar preocupações, cansaços, os restos dos problemas do dia a dia, me oferece uma perspectiva de criação e realização e um vínculo com bordadeiras que, antes de mim, devem ter sentido algo parecido ou apenas tiveram momentos de prazer e contemplação diante de suas criações, o que já terá valido a pena.

Voltei a bordar – de maneira mais assídua – no meio de um turbilhão profissional e pessoal. Parece que a confusão dentro e fora de mim ganha contorno, forma, cor e nitidez através dos pontos. A vida parece mais simples, menos corrida. Um trabalho nosso admirado pelos outros pode nos devolver vestígios da auto-estima perdida, pode ser um recomeço. Ter uma atividade que seja exterior às preocupações cotidianas é um meio de aliviar as tensões, possibilitar momentos em que a mente quase se livra de todo o barulho e da sobrecarga de informações a que estamos submetidos, enfim, é criar um oásis de paz e tranqüilidade, ainda que tudo o mais continue acelerado à sua volta.

Além disso, este reencontro com o bordado e outros trabalhos, abriu para mim uma brecha numa janela que eu quero muito escancarar: o ato de escrever. Se antes eu não sabia como começar ou, quando começava, achava que tudo sempre estava uma porcaria, hoje estou tranqüila. Não sei se o que escrevo tem algum valor para você, mas tem um imenso valor para a minha capacidade de expressão, para que eu acredite que posso. Cada letra é um ponto nesta trama e, como em cada projeto desafiador, não temos como saber o resultado final. Importa apenas caminhar.

Muitos encontrarão estímulos similares na atividade física, outros na meditação, outros na leitura ou na música. Eu luto para que as pressões cotidianas não me transformem em suco. Ache o seu jeito, mas busque sua individualidade.

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