Meu cunhado, André, é um fotógrafo talentoso. Dia desses, me
convidou a escrever a um texto que acompanharia fotos suas num concurso. Eu
fiquei honrada, evidentemente. As fotos escolhidas por ele compõem uma série
intitulada “Farinhada” e foram feitas numa localidade rural, próxima à minha
cidade natal.
As fotos me emocionaram e me ajudaram a escrever o texto
abaixo por que me remeteram, imediatamente à infância, quando íamos, madrugada
adentro, participar das festas em volta da fogueira. Crianças e adultos, o
fogo, as estrelas sobre nossa cabeça. Era muito divertido, assustador, bonito,
diferente.
Se tiver paciência, leia meu texto, que reproduzo abaixo. E
já te respondendo: não, nós não fomos selecionados, ainda que eu ache que as
imagens do André merecessem o prêmio...
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“A farinha é trabalho árduo, que greta as faces. O punhado
do alimento que sacia a fome, quando
tudo o mais falta, nasce de muitas mãos, de muita labuta, de algumas cantigas e
poucos sorrisos.
Sua produção remete a tempos imemoriais. Sentados em volta
do fogo, espera-se pacientemente que um dos subprodutos da mandioca asse sobre
o forno de barro: as moléculas do beiju engendram um sabor adocicado, quase
infantil, que se submete ao alimento que o acompanha tal qual uma mulher que
aceita sua sina.
Noites em volta do fogo, depois de dias em volta do forno,
onde a farinha torra.
Às mulheres, cabe o delicado trabalho de descascar a
mandioca, lavá-la uma, duas, três vezes, quantas vezes sua alvura exigir. A goma,
rainha soberana, jaz no fundo da lavagem, pérola a ser descoberta, sabendo que
será alimento de desvalidos e ricos.
Aos homens, é exigido da força para arrancar a mandioca do
chão à persistência para moê-la, prensa-la, assa-la pacientemente sobre o grande
forno. A estes cabe a transformação, erigindo, em sacos de alva farinha, um dos
pilares da cultura nordestina, que estará, depois, em pratos pobres e
nobres.
A farinhada é atividade familiar, mas é também
negócio, empreitada. É suor, mas também é forró. É cansaço, mas também
encontro. É morte, mas também é vida, Severina.”
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Bom domingo!